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Eu sou baobá

Eu sou baobá.
Os cientistas me chamam de Adansonia digitata, mas eu sou baobá. Na escala dos humanos, sou velho, pois tenho 107 anos; mas na escala dos baobás, sou um bebê, pois posso viver milhares de anos. Para mim, o tempo é diferente do tempo de vocês. Talvez eu seja o tempo. Fui plantado no ano da graça de 1910, em uma praça que fica bem longe da minha África natal, na América do Sul, país Brasil, cidade de Fortaleza. Diz a lenda que quem me plantou foi ninguém menos que Antoine de Saint-Exupéry, o famoso piloto e escritor francês, autor de “O pequeno príncipe”, e um fascinado por baobás. Mas isto não pode ser verdade! Façam as contas: Saint-Exupéry nasceu em 1900, logo não poderia ter estado em Fortaleza com tão pouca idade. Quem me plantou foi o senhor Tomás Pompeu de Sousa Brasil, o filho do famoso Senador Pompeu. Hoje, eu reino imponente na Praça do Passeio Público, local que já foi chamado de Largo da Pólvora e Praça dos Mártires, dentre outros nomes. Daqui, eu vejo o mar e vejo a cidade. Daqui, eu verei muitas gerações de humanos. Mas o que importa para vocês é o que vi. Vi governadores de estado serem escorraçados do poder pelo povo, vi a Grande Seca de 1915 e muitas outras mais, com as consequências nefastas de dor e sofrimento que elas trazem. Vi a praça onde moro se degradar até virar um antro fétido de prostituição, e depois ser revitalizada e lentamente se recuperar como um espaço de lazer pertencente à cidade. Vi um navio petroleiro encalhar no mar bem à minha frente, e até hoje suas ruínas enferrujadas estão lá pairando sobre a água. Daqui, eu vejo muitos que passam por mim. Sou vandalizado, mas não me importo; muitos escrevem em meu tronco: assinaturas, recados, despautérios, tolices, juras de amor, desenhos de corações e outras tantas coisas que nem sei dizer. Minhas raízes são fortes, e podem ter até o dobro do meu tamanho acima da superfície. Eu conheço cada pessoa que passa por essa cidade, mesmo que tenha sido apenas por uma vez. Eu sei quem é cada um que passa por mim: mães com crianças, casais apaixonados, viciados em drogas, curiosos, fotógrafos profissionais e amadores, todo tipo de gente: gente que quer o bem e gente que quer o mal. Não posso falar, não posso me movimentar, apenas sinto. Sei o que é o presente e o passado, e sei que cada um que passa por mim terá seu destino, seja a evolução, seja o exílio. Sou da natureza, sou da terra, minha energia é forte e pode prejudicar muito a vocês se não for bem manipulada. Eu sou o que vocês nunca poderão ser. Eu sou baobá.

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